Opinião
A Vida Atrás dos Muros
Professor de planejamento urbano escreve sobre aspectos da vida em condomínios fechados, tendência crescente em Dourados
Mário Cezar Tompes da Silva*
Desde algum tempo meus filhos optaram por viver sob a sombra dos muros dos condomínios fechados, com eles foram meus netos. Minha esposa, avó dedicada, passou a cobrar que tomássemos o mesmo destino a fim de desfrutar da companhia próxima dos netos. Os apelos evoluíram para a intimação e a decisão foi tomada. Deixamos para trás a casa onde vivemos mais de trinta anos e tomamos o rumo dessa espécie nova de experiência urbana: a vizinhança murada.
Residir em uma tal vizinhança nos oferece a oportunidade de vivenciarmos, e avaliarmos, alguns aspectos do novo estilo de vida. De início, algo bastante evidente é que a convivência em uma coletividade circunscrita entre muros pode favorecer um senso maior de comunidade entre os moradores.
Um primeiro aspecto a destacar é que uma vizinhança confinada estimula relações. Nos condomínios a intensidade das conexões é favorecida por diversos fatores. A existência de um clube com piscina, sauna, quadras esportivas, academia e salões de festa funciona como um vetor de aproximação entre os moradores. O playground reúne não apenas as crianças e babás, mas mães e pais ao final da tarde. Ademais, as reuniões de condomínio estabelecem um senso de compartilhamento de decisões sobre o destino da comunidade.
A vida comunitária é também reforçada pela existência de grupo de moradores que interagem no WhattsApp. No condomínio esse coletivo virtual desempenha múltiplas funções. Previsivelmente serve como um canal de diálogo acerca de assuntos diversos. Porém, também cumpre o papel de departamento de achados e perdidos (os pets fujões são os frequentadores mais assíduos); agência de empregos onde as necessidades de alguns moradores por funcionários diversos (jardineiro, encanador, eletricista etc.) são anunciadas e atendidas pelas recomendações dos demais condôminos; central de serviços, aqui as demandas dos necessitados por escritórios de contabilidade, advogados, marmitex etc. são supridas pelas sugestões de moradores que já utilizaram de forma satisfatória estes ofícios. Debates e desentendimentos também são frequentadores eventuais desse canal.
Um segundo aspecto diz respeito ao atrativo mais conhecido dessa nova modalidade de moradia: a sensação de segurança. As fachadas das residências não possuem muro, grade ou outro tipo de barreira, abrindo-se generosamente para a rua. É como se desejassem oferecer um atestado explícito de seguridade. As garagens são abertas. Não raro, bicicletas, patinetes, quadriciclos e brinquedos são deixados durante a noite nas calçadas e amanhecem ilesos. É possível caminhar pelas vias do condomínio com tranquilidade a qualquer tempo, com ou sem pertences de valor. A maior conveniência é, porém, ver-se livre do temor de arrombamento e furto da residência. Quantos douradenses não já foram vítimas desse infortúnio e o que não estariam dispostos a fazer para livrarem-se desse perigo? Nesse sentido os condomínios ofertam a segurança como uma realidade palpável.
Um terceiro aspecto refere-se à manutenção satisfatória dos equipamentos urbanos do condomínio (sistema viário, praças, playground, quadras esportivas etc.). Aqui o contraste com o pouco caso reservado ao espaço público em nossa cidade se acentua. No condomínio a zeladoria desse patrimônio coletivo não é de responsabilidade da prefeitura, mas da administração condominial. A manutenção dos equipamentos é uma ação permanente de tal forma que a limpeza, o bom estado de preservação e a aparência convidativa dos espaços comuns são antes a regra do que a exceção. Não que essa zeladoria seja isenta de defeitos, mas ruas, praças e jardins encontram-se sempre com uma aparência adequada. Bem diferente do que habitualmente ocorre no espaço público douradense.
Porém, a vida atrás dos muros dos condomínios também cobra um preço de seus moradores. Esse formato residencial estimula a reunião e segregação de pessoas de um mesmo nível social em seu interior. Reforça o convívio entre iguais e desencoraja a relação com os diferentes. Nesse sentido, ele restringe a possibilidade de interação social entre os distintos estratos da sociedade e toda a riqueza, desafios e possibilidades que a convivência entre os diferentes proporciona. Isso empobrece a possibilidade de experiências e perspectivas que os moradores têm acesso.
Essa situação pode ser sobretudo deletéria para as crianças. Criadas nesse meio social homogêneo, sem muitas oportunidades de contato com crianças de outros extratos sociais e com o mundo exterior, além dos muros, não usufruem do rico aprendizado decorrente dos desafios de interagirem com os diferentes. Vivem em uma bolha protegida que lhes proporciona uma visão de mundo mais restrita e distorcida quando comparada com as crianças que habitam fora dos muros e, desde muito cedo, passam a conhecer e desenvolver maneiras de se defenderem dos perigos e desafios da rua.
No entanto, para os moradores dessa nova modalidade residencial, as vantagens que ela oferece são mais palpáveis e seus benefícios mais imediatos. Já as desvantagens mencionadas aqui situam-se em uma esfera menos tangível e suas consequências negativas demandam mais tempo para se manifestarem. Isso explica o sucesso e a larga aceitação dos condomínios fechados pelos douradenses. Por outro lado, embora os ganhos para os residentes dessas vizinhanças muradas sejam evidentes, suas consequências para o conjunto da cidade apresentam resultados bem menos auspiciosos. Abordaremos estes resultados em um próximo artigo.
*Professor de planejamento urbano. E-mail: [email protected]