Opinião
Um Chamado para Transformações Estruturais no Transporte Coletivo de Dourados
Mário Tompes aponta necessidade de mudanças estruturais no transporte coletivo e menciona plano concluído em outubro de 2013 para o município
Mário Cezar Tompes da Silva
Sou um viajante compulsório. Viajar é um hobby que pratico com muito gosto. Nas viagens, aproveito para observar e aprender mais acerca de minha área de interesse profissional: o planejamento de cidades. Quando se está em um lugar novo, especialmente em um outro país, um problema comum é o do deslocamento. Sem meu carro, a opção mais a mão é utilizar o transporte coletivo. E, diferente do que ocorre em Dourados, e em boa parte das cidades brasileiras, nestes outros locais utilizo com muita satisfação os ônibus e outras formas de transporte público.
Minha satisfação decorre da eficiência, conforto e de uma estrutura qualificada do transporte coletivo nestes locais. Estou convencido que, caso residisse lá, permutaria de muito bom grado meu carro pelo ônibus. Aliás, é precisamente o que fazem lá muitos moradores que desconhecem a necessidade de automóvel particular e se deslocam exclusivamente por transporte público.
Verifico que um número crescente de cidades mundo afora vem focando seus investimentos no aperfeiçoamento do transporte público por motivos óbvios. Ele evita congestionamentos, reduz a emissão de poluentes na cidade, atenua os acidentes de trânsito, reduz os custos de deslocamento para o cidadão, diminui a necessidade de sacrificar espaços públicos com vagas de estacionamento etc.
Essas vantagens que são tão óbvias para as demais cidades, infelizmente não aparentam ser tão óbvias assim para Dourados. Aqui insistimos, obstinados, em um modelo de mobilidade onde o automóvel é o centro das atenções, das ações e dos investimentos.
Os recursos visando a mobilidade douradense são prioritariamente destinados a mimar e atender às exigências dessa criatura sobre quatros rodas. E elas são especialmente exigentes. Exigem, sobretudo, mais espaços da cidade para servirem suas sempre crescentes necessidades de deslocamento e de estacionamento. Reivindicam novas avenidas, a duplicação das antigas, viadutos, vagas para estacionarem nas calçadas e nos canteiros centrais. Um apetite por espaço difícil de saciar. Esse movimento de expansão contínua tende a atrofiar o desenvolvimento dos demais modais de transporte na cidade.
Tão somente o poder público possui as condições para impor limites a esse apetite, através de investimentos que também forneçam oportunidades de expansão e aperfeiçoamento ao transporte coletivo. Infelizmente, não é o que testemunhamos em Dourados. Um exemplo didático do tipo de tratamento que se reserva ao transporte público em nossa cidade é observar a trajetória do Projeto de Reestruturação do Transporte Coletivo de Dourados.
Trata-se de um plano concluído em outubro de 2013 cujo objetivo era projetar o aperfeiçoamento do sistema de transporte coletivo do município. Elaborado por empresa de consultoria gaúcha, devidamente remunerada pela prefeitura, esse documento propôs a substituição do sistema radial onde os ônibus de todos os bairros convergem para um único terminal de transbordo situado no centro por um novo sistema troncal, onde as avenidas Marcelino Pires, Presidente Vargas e Hayel Bon Faker funcionariam como linhas troncos. Quatro novos terminais de transbordo seriam localizados nas extremidades de cada uma dessas avenidas. As linhas de bairros se dirigiriam para esses terminais e de lá se integrariam com as linhas troncais.
A implantação do novo sistema representaria uma mudança profunda, um aumento de capacidade de atendimento, um ganho extraordinário de eficiência para o transporte coletivo do município. O sistema radial já era anacrônico e insuficiente para atender as necessidades da cidade lá atrás em 2013, mas, continua vigente até nossos dias. Mais de dez anos já se passaram, três prefeitos concluíram seus mandatos e o projeto de reestruturação do transporte coletivo jamais chegou a ser implantado. Isso esclarece o grau de prioridade do transporte público para nossos gestores.
Um prefeito com boa percepção de oportunidade política imediatamente captaria o impacto que essa mudança estrutural causaria na vida de uma parte muito significativa da população douradense. De imediato essa transformação forneceria um maior número de linhas, uma redução do tempo de deslocamento e uma maior abrangência de cobertura da rede de maneira a reduzir a distância de acesso dos usuários às linhas. Em síntese, ela facilitaria e tornaria muito mais cômoda a vida dos inúmeros usuários do transporte coletivo em Dourados. Uma tal iniciativa pode facilmente se constituir na marca do mandato de um gestor.
Não me entendam mal, não é que não venham ocorrendo avanços no transporte coletivo de Dourados. Sim, ocorrem aperfeiçoamentos! Recentemente foram divulgadas notícias de aumento do número de ônibus refrigerados, aquisição de ônibus que utilizam combustível euro 6 e renovação de parte da frota. Porém, estas são mudanças muito pontuais, não são transformações estruturais que promovam uma mudança profunda na eficiência do transporte coletivo do município a ponto de reconfigurarem o seu funcionamento como um todo.
Já a implantação do sistema troncal, conforme proposto no Projeto de Reestruturação do Transporte Coletivo de 2013, além de aposentar o atual sistema radial e seu anacrônico terminal de transbordo da praça Antônio Alves Duarte, dotará a cidade, como já destaquei acima, de quatro novos terminais de transbordo. Além das vantagens já descritas, essa mudança abre a possibilidade de avançar em direção à intermodalidade.
Esses terminais podem se integrar com diferentes modais. Caso o usuário more mais afastado, podem acessar o terminal de automóvel, deixá-lo no estacionamento do próprio terminal, ir de ônibus para o centro e pegar seu carro no retorno. Caso resida próximo, o acesso pode se realizar a pé por calçadas, desde que haja uma rede de calçadas em boas condições (padronizadas, niveladas e sombreadas) integrada ao terminal. Por último, esses terminais podem ser integrados à rede cicloviária e, contando com bicicletários em seu interior, possibilitará que o usuário que resida a uma distância intermediária possa se deslocar de sua casa até ele de bicicleta, guardá-la no bicicletário e fazer o resto do trajeto de ônibus até seu destino final. Ao voltar ao terminal, retoma a bicicleta e retorna para sua residência.
Essa é a diferença entre mudanças pontuais e mudanças estruturais no transporte coletivo. Estas últimas além de reconfigurar o conjunto do sistema e, nesse movimento, dotá-lo de maior eficiência, flexibilidade e comodidade, também potencializa os demais modais (automóvel, bicicleta e pedestrianismo) ao integrá-los em um sistema único, diverso e versátil.
Mário Cezar Tompes da Silva é professor de Planejamento Urbano. E-mail: