Condomínios Fechados em Dourados: Problemas e Alternativas de Solução. Parte I

Mário Cezar Tompes da Silva


Mário Cezar Tompes da Silva é professor de Planejamento Urbano

Durante a idade média, as cidades erguiam muralhas para se protegerem de perigosos inimigos externos, hoje fechamos bairros inteiros com muralhas para nos precavermos contra as ameaças de nossos próprios concidadãos. A insegurança que no passado vinha de fora, hoje origina-se e expande-se no interior da convivência urbana. Essa realidade nova faz prosperar o medo e a vontade de erguer muralhas. É ela que, em boa medida, gera fenômenos como os condomínios horizontais fechados.

Hoje Dourados é um exemplo muito ilustrativo da rápida disseminação desse novo formato de bairro murado. Entre os motivos alegados para tal expansão destaca-se, como já enfatizado, a precariedade da segurança na cidade. De fato, quem já passou por episódios de invasão e furto de sua residência vê com simpatia a possibilidade de proteger sua casa atrás de muros altos, contar com guaritas para controle de acesso e guardas que circulam e protegem sua família 24 horas por dia.

Já fui vítima de invasão domiciliar. Ao retornar de viagem me deparei com portas arrombadas, gavetas no chão, roupas e objetos espalhados por todos os lugares e itens subtraídos. Não é uma boa sensação. Os sentimentos de desamparo e revolta lhe levam a desejar solução que impeça outro episódio de violação de seu precioso espaço familiar. Situação mais grave ocorre quando os invasores encontram os proprietários dos imóveis e os fazem reféns. Então, sim, havia na cidade e certamente continua havendo uma demanda a ser atendida por mais segurança. Os condomínios fechados respondem a esse anseio. Porém, além da segurança existem mais fatores que atuam a favor dos condomínios: a valorização imobiliária dos lotes e casas nesses bairros murados é algo evidente; o status social de residir nessas novas áreas as transformam em objeto de desejo e, também, a generosa infraestrutura de lazer com clubes exclusivos, academias, praças e áreas verdes bem cuidadas cumprem um papel para as tornarem ainda mais atrativas.

Principalmente por estes motivos, na atualidade, os condomínios encontraram solo fértil para se reproduzirem com bastante vigor em Dourados. Frente a esta realidade incontornável, surge, porém, a preocupação sobre seus efeitos na cidade. O fato é que embora estes bairros murados atendam anseios legítimos por mais segurança e conforto residencial, eles também geram outros desdobramentos, vários deles problemáticos para a vida urbana.

Uma consequência desse novo formato residencial é a produção de ruas cegas. Uma rua comum, em geral, é margeada por residências, comércio, serviços cujas frentes se abrem para as calçadas. Isso torna o que acontece nas ruas facilmente perceptível por quem se encontra dentro dos imóveis lindeiros á rua. No caso de acidentes, assaltos e emergências diversas, rapidamente as vítimas são identificadas e acudidas. Também o fato de haver a presença de moradores e trabalhadores de comércio/serviços circulando nesse espaço público torna-o também mais seguro, porque tem sempre alguém próximo. Isso é o que Jane Jacobs, uma estudiosa das cidades, denomina de os olhos da rua.

Já uma rua cega é uma rua sem frequentadores, consequentemente sem olhos. É o que ocorre nas vias que margeiam os condomínios onde os muros tiram os olhos da rua. Isso é particularmente grave quando uma via é emparedada em ambos os lados pelos altos muros dos condomínios em toda sua extensão. Por não possuir casas ou comércio esse tipo de via não atrai pessoas, frequentemente é deserta. Local ermo gera insegurança, situação que se agrava mais ainda em período noturno. Assim, os condomínios tendem a gerar um paradoxo: segurança dentro de seus muros e escassez de gente e de segurança fora dos muros.

A implantação dos condomínios em Dourados, no entanto, embaça a percepção desse problema. Quando falamos dessa nova forma de habitar em nossa cidade, o modelo de rua de condomínios que nos vem à mente é a Av. Dom Redovino. Trata-se de uma via muito larga margeada por bonitas extensões gramadas que separam as calçadas dos muros condominiais. As duas pistas de circulação são apartadas por generosos canteiros centrais e rotatórias ajardinadas. Em toda a extensão da via destaca-se um paisagismo atraente. Até por falta de opções de praças e parques bem conservados na cidade, a população utiliza essa via como área de lazer (caminhadas, rodas de tereré etc.) aos finais de semana. Há loteamento aberto intercalado entre os condomínios e comércio em trechos da avenida. É um espaço agradável, com pessoas e vida na rua.

Porém, essa é uma situação excepcional, está bem longe de se constituir o padrão de ruas de condomínio em nossa cidade. Várias ruas laterais e dos fundos dos condomínios da Av. Dom Redovino são cegas, emparedadas com muros de ambos os lados, desertas na maior parte do tempo, sobretudo a noite, inspirando bem pouca segurança aos infelizes pedestres que necessitam circular por elas. São espaços mortos.

O mais grave é que estes espaços mortos estão sendo reproduzidos por diversos novos condomínios que se multiplicam com rapidez no restante da cidade. Como resultado, surge um conjunto de ruas desvitalizadas pela ausência de residências, comércio e serviços, substituídos por extensos muros que desestimulam a presença de pessoas, movimento e vida nestas ruas. Espaços ermos e perigosos.

Outra consequência dos condomínios na cidade que merece atenção são os efeitos que eles produzem na mobilidade urbana. Dourados é uma cidade que possui a sorte de usufruir de um traçado viário bastante eficaz: o modelo ortogonal (ruas no formato de tabuleiro de xadrez). Ele estabelece uma rede de vias que se entrecruzam, o que aumenta a acessibilidade e reduz o tempo de deslocamento para se chegar a qualquer ponto da cidade.

Porém, ao fecharem com muros grandes extensões de terra, os condomínios desconfiguram esse sistema ortogonal ao criar obstáculos que interrompem essa rede de vias. Um condomínio equivale a criação de várias quadras novas que são cercadas por um muro impedindo o fluxo de carros, pessoas e transporte coletivo por aquele local.  Com a multiplicação constante desses condomínios, nosso sistema viário terá cada vez mais barreiras e a malha quadriculada de ruas perderá eficácia.

No médio prazo o resultado será uma mobilidade cada vez mais interrompida, um deslocamento mais lento, uma acessibilidade mais restrita. Junte isso com o aumento constante da frota de carros e é fácil compreender que estamos investindo firmemente em um trânsito mais travado que nos cobrará cada vez mais tempo e dificuldades para nossos deslocamentos na cidade.

 

Mário Cezar Tompes da Silva é professor de Planejamento Urbano. E-mail: [email protected]